quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Veleidade

Victor Rocha Nascimento

Que menina é essa, sem cheiro e sem cor?
Que é essa força que me rasga num olhar de vento e me leva pro mar numa cantoria limpa e sem tom? E essa delícia sem saliva nem sexo. Essa mulher de carinhos frios, tato morto.
Quem é ela, que me dobra e que ainda sem me conhecer, corrompe onírica?
Com que sagacidade dribla meu tempo e se veste em outras peles só pra me atazanar?
Que futuro é esse que te serve de refúgio e que tanto espera para se fazer presente? Porque não pular as etapas, que não servem pra nada, e se entregar num gesto gasto para mim?
Que perfeição é essa que só existe num caminho de meios, e se preserva escondida na ponta mais fina?
De mente dispersa escuto teu choro, teu grito, te velo e te namoro sem nem mesmo saber sua graça ou de onde cê vem.
Queria eu poder ver, te beber, te respirar, te consumir. Queria ter esse poder, espiar pelas frestas do tempo, das certezas e dos sonhos amantes, e, por instante, ter tranquilidade de que um dia vai existir.
Quem é essa que se anuncia a todo instante e me injeta esperanças à deriva de uma passarela que insiste em crescer?
Ô mocinha esperta, sem boca, nem cabelo e nem brilho. Ô mulher danada que me excita de suspense e se demora pra essa hora não marcada, pra esse ponteiro já quebrado que se fez enferrujado de tanto te esperar.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Bote de risco

Victor Rocha Nascimento

Tô de olho, espiando pra te ver passar
Tô de olho no meu canto, com medo de me machucar
Melhor tomar cuidado e estar bem preparada pro momento em que eu decidir sair da tocaia e te assaltar.
Melhor é não esperar nada, por que, de tanto sofrer na maldade, minh'alma se fez cansada e nada melhor do que o medo pra me prevenir.

Tô com a vida inundada e a correnteza não me deixa esperar
Tô jantando migalhas pra não saber como voltar
Melhor sair do esconderijo, cortar caminho e pular no primeiro abismo. Correria na frente, viveria perigos pra te impressionar.
Melhor não arriscar nada, nem esperar na encolha. Melhor seguir minha vida, ouvir a voz da ferida e aproveitar as novidades que não param de me coagir.


Tô fitando essa lua que se fez minguada pra me perturbar
Tô de cara amarrada, sem saber direito com que cara ficar
Melhor seria não ter que sentir nada, e ainda que não sinta, não ter com o que me preocupar.
Melhor era nem encarar a lua, nem dar bola pra alvorada, ficar só no meu canto, de barba molhada. Melhor deixar pra lá.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Quebra na pedra (Mais noites e lembranças complicadas)

Victor Rocha Nascimento

Deparei-me com aquela espuma de algodão golpeando a velha pedra. Quanto mais a água quebra o tempo passa e, como sempre, incomoda. Não são sentimentos novos nem velhos. O que eu senti foi uma saudade do tempo em que eu ainda não era descrente.
Saudade de imaginar que daria certo... Saudade de acreditar que poderia ser simples assim.
O sol morrendo nos meus olhos, como havia sido noutro dia. Não me atrevi a colocar os pés diretamente na pedra. Sei lá, não achei justo. Fiquei sentindo o tempo que passou e me arrebunhando com o que mudei.
Temos que ser masoquistas para aprender a viver. Não há como mudar sem se deixar ferir e não há nada mais corriqueiro do que as mudanças. Não que seja trágico, mas é só o que se tem.
Não agonizo em tristezas ao me deparar com a desilusão. É diferente. Desengano é crescimento, te fazer mais forte, mais maduro. O problema é não poder suportar o peso da triste realidade que nos convêm. É foda quando notamos que, às vezes, temos que encarar um mundo que não o nosso. Esse aí de fora... O mundo mútuo. Mundo dos outros. Mundo de todos comuns.
O cheiro do mar, a hora... Tudo igual, salvo pela solidão que foi fundamental para contrastar os momentos. Senti-me espectador de um filme antigo, uma bobagem de criança. Não sei mais o que quero e nem se tenho que querer alguma coisa. Talvez por medo e por fraco que sou não queira só deixar rolar. Talvez medo novo, filho de um sofrimento banal. O susto de ser apunhalado pela felicidade.
Medo de ser um idiota, de me sentir um idiota, de não estar fazendo o que é certo.
Medo de que a memória me falhe por conveniência.
Sofrer não. Do sofrimento aprendi a não ter medo e sim respeitar. Meu medo maior é que pelo descuido das emoções eu regrida, seja iludido pela fertilidade dessa cabeça vazia.
Me arrastar pela areia até essa maldita pedra não me fez mais fraco por ela. As lembranças que me tocaram foram mais alem. Me fizeram pensar em todas e sobre me cuidar para não cair em novos enganos. Não tenho como saber se a imunidade que recebi está a favor ou contra um final menos trágico.
Verdade que não consegui ficar por muito tempo nesse lugar que tanto me afeta, mas não adiantou. A cisma já estava instaurada e agora o que me resta é respirar e pensar bastante... Ou não.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Perdido em fatos: A crônica da triste solidão lógica.

Victor Rocha Nascimento

Quando abri os olhos senti que a porta da frente acabara de colar no alisar. Ela foi embora. O lado esquerdo da cama ainda estava quente, mas já perdia parte do perfume doce da menina. Sempre fico do lado direito. A cama grande é puro comodismo, conforto. Uma regalia que dei a mim mesmo para aproveitar corpos novos e ter lados bem definidos. Uma direita bem definida! É só uma mania, um costume. É tudo lógica, psicológico, estudado e compreendido. É fácil lidar com o que se estuda e entende.

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Sei exatamente como as conquistar, mas já perdeu o sentido faz tempo. Faço pelo desejo da carne e nada mais. Não as conheço e não poderia afirmar nossa compatibilidade. De modo geral, são mulheres, feitas para o sexo assim como eu. Nada de alma gêmea.

Exaustas do meu descaso, elas sempre se vão e eu pouco ligo.

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Para que o amor-amante se não for com o espécime perfeito? Para que se envolver na possibilidade grosseira do erro? Para que procurar se levar em conta as probabilidades?

Sei bem sobre mim, sobre o que quero e sobre o que daria certo. Sei tudo sobre a maioria delas e nenhuma dessas poderia me fazer feliz. Não se trata de loucura, de forma alguma. Apenas lógica.

Pensando bem... Pode ser tudo a mesma coisa.

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Também não sou tão lógico, apenas uso a cabeça em momentos pouco costumeiros para a maioria. Vivo sobre outros aspectos, outros paradigmas.

Acredito que não seja errado ou desumano. Apenas escolhi um caminho diferente. Pelo menos prefiro pensar assim. Emociono-me com um sorriso verdadeiro, me apaixono por brilhos na bola dos olhos, me excito com atitudes. Não ligo muito mais para todas essas bundas perfeitas e seios fartos que, de tantos, farto sou eu. A era das descobertas adolescentes a muito passou. Imerso nessa lógica, sou caçador de humanidade.

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Levanto e corro até a porta num cuidadoso silêncio. Olho pela fresta e ela já sumiu da rua. Fico totalmente só, mas feliz. Não gosto de viver assim, mas seria pior viver por um romance obrigado, sem os fundamentos necessários, sem verdade ou sentimento. Ahh, e teríamos que ser muito compatíveis. Teria que dar certo.

Posso aceitar que sou um tanto exigente. É. É isso que eu sou.

Depois de relaxar o corpo a mascara cai e não tenho mais motivos para usá-la. Volto a ser eu mesmo e assusto.

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Eu acredito que exista uma alma gêmea, uma pessoa perfeita e espero fielmente encontra-la. Mas se existirem seis ainda é pouco. Sorte seria encontrar uma das seis se estamos todos espalhados de forma aleatória nesse mundo.

Bem... Talvez não seja... Talvez Deus tenha pensado nisso.

*

Vou planejar meu dia. Procurar uma meta e fazer a semana passar. Espero que a perfeição me encontre enquanto assassino minhas horas. Se ao acaso o corpo pede, sempre existem mulheres perdidas por aí, completamente previsíveis as quais posso levar para o meu lado esquerdo. Não sei se é o certo e cansei de tentar julgar, mas acho que elas não se importam tanto e, caso se importem, o sofrimento não dura muito tempo.

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Existe todo o tipo de mulher. Todo mesmo. Tanto que acho possível que exista alguma para mim. Enquanto espero, sei que posso contar com aquelas manipuláveis e aquelas mais putas (Juntas são maioria. O que sobra é uma fatia muito fina do bolo). Assim não me preocupo. O lado esquerdo da minha cama sempre terá um cheiro breve e doce de abandono.

Deus, tenho que tomar cuidado! Esse cheiro está me viciando.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Loucura de Maria

Victor Rocha Nascimento

Brota, Maria. Maria louca brota. Brota Maria, que a loucura te vicia; Manda aos berros toda certeza pra fora.
A flor queimava em poesia, o cheiro penetrava a toda porta. Quem diria que a loucura de Maria renasceria flores mortas?
Olha esse beijo e olha esse mel. Recorda dos frutos, os que nascem do céu. Maria transbordava sua loucura em palavras, recitava a morte para entender a vida, estudava costumes para desfazer mentiras, explodia amor para selarem feridas.
Maria amava o diferente e, por completa, dele queria ser.
De tanto buscar as respostas do mundo, Maria entendia o sentido das coisas, previa atitudes e influenciava os fracos ao seu redor. Maria dominava e fascinava de louca que era.
O bom era ser diferente e, deste ponto, completa. De tanto entender, escolher o que quer ser. Ao por do sol ela brotava, simplesmente, para nascer numa nova era.
Excita e faz milagre. O mundo é tão profundo que ao ser, desfaz mapas e sociedades. Assassina a lógica, deturpa a mente frágil do comodismo da cidade.
E essa realidade, que de real não tem nada e apenas existe para suprir as necessidades da mente fraca, era companheira de Maria, que fingia que não via só para ter com quem brincar.
Se conta o mundo, o resto vem e assusta. A possibilidade de saber, aprender e não parar é o que faz a vida repleta de sentido. Maria entendia tão bem tudo que passou a conviver com espíritos. Mundo novo que assusta, distorce e se nega por inteiro. Ela passou a conviver entre mundos e se acostumou no abandono do receio.
Brota, brota, Maria. Hoje é dia. Brota, brota, minha filha. Lá de trás vem um nevoeiro e só você para cuidar dessa gente nula de verdade. Brota mais uma vez, e sempre brota, que loucura é ver no sonho um pesadelo.