terça-feira, 2 de novembro de 2010

O garoto de Sustos e Chocolates

Victor Rocha Nascimento

Meio sentado, deitado, jogado num canto da Novo Rio lotada de feriado prolongado. Uma mochila estourada em roupas, cadernos e filmes. Ele com um pacote de biscoitos baratos, um copo de caldo de cana, e um livro de capa mostarda que o prendia e salvava da multidão barulhenta.
Um tipo físico até que bem modesto. Não tão magro, mas pouco trabalhado e nada levado a sério. Talvez praticasse esportes periodicamente, mas nada além de um hobby e certamente nada de academia. O casaco surrado e a blusa larga ajudavam.
Ela fitava de longe, driblando os corpos soltos que desfilavam pelo salão de embarque com os olhos tímidos e molhados. Estava realmente fascinada, mas não tinha nem pista do motivo. Coisa alguma nele lembrava qualquer moda conhecida. Talvez um tipo meio anos 80, meio grunge e de rocker sujo, com um piercing gasto no sub-canto esquerdo da boca. Certamente não fazia seu tipo. Nem raspava de tangente no seu gosto por homens-garotos. Mas, alguma coisa de charme-descaso, algum tom sofrido e seguro... Algo que a perseguia e era seu oposto, fizeram vidrar. Era mais para uma sombra ou um espelho. Talvez nisso, ela tivesse a atenção roubada num susto forte.
O susto maior foi quando se esbarraram na entrada do ônibus. Culpa dele. Desastrado e de cabeça baixa no livro. E assim, entre esbarrões e sustos, também foi com o encontro nos assentos colados, 19 e 20.
"Um chocolate amargo com flocos grossos de café! Uma bela definição!". Era uma das várias manias dela. Talvez a mais constante. Marcava sempre seus sentimentos e sensações com comparações exóticas, que envolvessem cheiro, cor e sabor bem definidos.
Insegura, nervosa e com as mãos trêmulas, molhadas, lhe perguntou sobre o livro aos gaguejos. O Livro, que ainda travava a atenção do garoto, talvez tanto quanto a atenção dela era travada por ele.
Nada de mais. Sem grandes frutos. Ele comentou um pouco sobre o autor, e falou rápido sobre alguns assuntos um tanto complexos e confusos dos quais a obra tratava. Não se sabe se por sua velocidade, se pela complexidade ou se pelo encanto de ouvir da voz, ela não entendeu nada além de algumas palavras soltas. Só sabia, agora, emitir sons monossilábicos que serviriam satisfatoriamente para qualquer pergunta mesmo sem significar nada. Eram gemidos tímidos, na verdade. "Uhh", "Uhum", "Ahh"... Toda a empolgação do menino estava em suas próprias palavras, que traduziam o sumo do livro... Para ela, não sobrou quase nenhuma atenção. Por pouco nem cruzaram os olhos. Logo ele voltaria a ter sua existência roubada por completa pelas letras serifadas do mostarda.
O Susto, de verdade, veio depois de um silencio funerário tomar conta de todo o ônibus e ela já havia desistido de tentar criar qualquer relação com o enredador desconhecido. O sujeito, ainda em um clima 'mundo-encantado', sacou da bolsa volumosa uma barra de chocolates. Pelo cheio da mochila, era óbvio que a barra já estava amassada e quebrada quase toda. Pouco importante. A questão é que a danada era idêntica à idealizada pela menina. Chocolate amargo, flocos fartos de café.

Seria o cheiro em comunhão secreta com o inconsciente? Seria sorte pura, coincidência? Seria lance espiritual, exotérico, exótico? Destino? Seria? Será quer seria lógico? Seriam mais 4h de viagem. Pensar; dormir; sonhar; tentar; esquecer.