terça-feira, 10 de maio de 2011

Infiltrado em tornar / A Morena e o bufão parte II

Victor Rocha Nascimento

O que era paz, fervente afogou. O que parecia fugaz, tomou forma e sabor. O que era vazio, encheu-se de amor. Infiltrado em tornar o tornado faz girar o que já era para, outra vez, cantar a beleza dela. Jamais cansa de sonhar.

Tudo culpa daquela Morena, que batia as canelas e de sorriso no vento misturava os sonhos de toda gente da cidade grande. Faz sentido que com tanto encanto, o pobre mulambo tenha sucumbido feito manteiga no Rio, feito dormideira assustada, feito pele no frio, feito feijão em feijoada.

Agora passa hora, morre dia e o encanto não passa. Ficou o olhar acanhado e o riso sem graça. Ficou o sorriso apertado e o coração em migalha. Agora o país é dela e o futuro faz piraça. Ficou até pozuda, mas com jeitinho disfarça.

Agora a Morena é alegria e o sol vicia pro dia ser dela. Se a cama está fria a perna se agita e pula a janela, faz novela, ensaia uma trela, convida pra guerra. Se o tempo é problema e o cheiro envenena, se droga na certa. E ele, que é puro e sujo, molda em em favor. Volta ao que era para ter mais valor.

Quem diria que mesmo longe, chama, faz charme, é presente, finca a carne, é corrente no sangue e milagre. Por mais sujo o profeta se benze e firma a verdade de um início tortuoso e é saforil. Por mais medroso ele mesmo se entende e crava o futuro como quem mente, só para iludir.

E lá fica a Morena, que é só graça, toda animada, esperando para ver. Ela corre, sacode, chora, morde, se envolve, namora, concorda, por hora, por outra explode. Rainha que finta, culpada da loucura na mente dos homens inspirados por ela mesma no amor. Irrita, imita, corre da dor.

Sem notar, invade. Pra brincar, faz arte. O mundo na sua vontade. Se longe, é toda saudade. Se domina, é só malandragem. Se cansar, fica para mais tarde. Se pegar, engole vaidade. Se amar, é só felicidade.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Como quem ama...

Victor Rocha Nascimento

"Amor recíproco infeliz não existe. O único sofrimento de amor é não ser correspondido."
Existe amor que acaba? Amizade que vai e não volta? Existe o outro, ou amamos sozinhos? Amamos um outro ou apenas o que conseguimos ver nele? Se assim, o amor pode ser infinito e imutável, mas fatalmente deixaria a imagem numa desilusão.
E o tempo, será que pode tornar fraco um sentimento a ponto de chegar a ser desprezível? As condições e a convivência, ou falta dela, podem mudar o que por tempos foi eterno, foi perfeito e interminável? Pode haver confusão no amor? Pode haver certeza?
No fim, acho que só existimos nós mesmos.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ode à Morena. Baralha mania inveterada

Victor Rocha Nascimento

Quando ela diz o que pensa, não sei se me esnoba ou se zomba de mim
Quando a Morena é presença, me invoca um distúrbio e me faz querubim
Quando se choca, nos choca, me chora e tem dó do seu fim
Quando me encara, me enrola, me vira a cachola, me prende em cetim

Quando é intensa é criança, troca doce ao amargo, me pisa firme
Quando sentença é cobrança, me suga suporte dobrado, me oprime
Quando é controle é casta, confunde sua casca e induz um crime
Quando me ama é carrasca, me fala e me rasga, me aponta num filme

Quando namora, me enforca, me aperta, me ama feito num sonho
Quando me troca, me joga, me afeta, me chama num timbre medonho
Quando é sincera, apaixona, dá medo e vergonha de um jeito enfadonho
Quando é moleca, traz gana, dá raiva e apanha, esconde o tamannho

Quando ela diz por que veio, me põe em rodeio e me traz aflição
Quando defende seus meios, corrompe o certeiro, me compra a razão
Quando me agarra, me safa, me caça, tortura por confusão
Quando me conta, me erra, se ferra, me atinge. Já é escravidão

Quando não quer ela manda, complica e desmanda, presume liberdade
Quando tem medo de si, se enforca por mim, e se entrega de verdade
Quando me pede, se enrola, não cobra mas eu cumpro a vontade
Quando mostra argumentos, nem são mandamentos, mas aí já é tarde

domingo, 23 de janeiro de 2011

A semente do termo

Victor Rocha Nascimento

Olha que agora, assim de susto, me alfineta uma vontade de escrever de ti.
Olha que a vontade é de ler sobre ti, de falar de ti e de partilhar uma folha e um texto.
Mal posso esperar para ver o que sai se te ponho pra escrever junto a mim.
A vontade que me deu é de misturar os pensamentos e embolar as letras, fundir ideias e a nós mesmos.
A vontade que me salta era de juntar nossos sorrisos, juntar nossa alegria, desse jeitinho assim. Queria te conhecer ainda mais, saber se me quebro e se completo bem os seus pensamentos, maus ou puros, perdidos... Sonharia em cantar sua poesia se escrevesse para mim. Sonharia em recitar sua alegria projetada em mim.
E num primeiro instante, logo após o romance, nasce um além que recorta o espaço, retarda o cansaço, maltrata as penas. Num amor completo embaralham rimas, se escreve cego, se dedica um futuro, compra briga com o incerto.
Se me escolhe, assim, como felizardo, para dividir um retrato, um diário, uma carta, um segredo, uma vida, só posso dar o máximo de mim. Serei leve, dedicado, breve, aplicado, complexo e rasteiro, prolixo e certeiro, mas só escrevo até o meio, abrindo mão de um fim.
Se é para um filme, um roteiro, sou ato, maltrato e me largo, me faço, relato, reviso, dirijo, critico, mudo, completo, crio o mundo do jeito certo para merecer sua história na ponta do lápis. Se der para um livro, me viro, me sirvo, me espremo, exponho, até tremo, numa obra mal feita, perfeita, inacabada, rasurada com o que pode haver de melhor em mim.
Olha que de agora em diante eu só quero escrever e ler e reler e saber de ti. Olha que de agora em diante eu peço que me escreva em mim.
A pessoa é sua e o tempo sempre. Me retalha, me suja, me rasga. Completa cada espaço da minha pele com tinta brasa. Reedita minha mente. Só escreve e me arranha. Me corteja, me tatua, me sangra, mas nunca sai. Abusa e me larga em migalhas.

Deixo eu o que quiser de mim.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Enquanto só, no recato de Sete Noites

Victor Rocha Nascimento

Rolo, enrolo, no calor em cama de frio mórbido, esperando a passagem da solidão enquanto me moldo, me afogo, contorço, reprovo, comporto.
Como que pelo mesmo motivo, uma carta que é escrita amor não deixa que saia o cheiro nem mesmo rasgada, cai flor, ainda que morta, renegada. Já chulo, abandonado, levo cheiro dela e olhar triste de quem só pode procurar na memória incerta.
E dos corpos colados, dedos cruzados, bocas forçadas, unhas fincadas e medos cravados, fica o sonho trincado e a noite inacabada.
Do mais íntimo e puro desejo, acordou de um sonho tão belo quanto viciante. Pensou logo em voltar, depois esteve triste por tê-lo perdido antes mesmo do beijo. Congelou o instante.
É de longe o amor, de perto sentido, tesão, recostado em afago me encontro zonzo, roído. No seu sorriso quase sinto, quase sou, quase brinco que nem sei. É êxtase, furor. Nos seus olhos fico em virtude, em apneia zombadoura, embreagado. O coração quase nem bate, quase explode, é rapioqueiro e lesado.
Quando olha assim, olhos cortados, sangrando. Olhos de pranto, de virtude, olhos perdidos, cerrados, eu quase acho que não é para mim.
Quando cobre o rosto e larga os cabelos, quando senta na grama e se aperta nas frestas, eu também sinto, mas por pouco acredito que é assim.
Quando corre os olhos, esconde a cara, cora as bochechas, franze o nariz e alarga o sorriso, apenas troço que seja de atrevo, vergonha de cruzar a vista na minha. Seria sonho ou loucura pensar que sim.
Pode ser medo. Natural, se pode ser amor. Sinto provável que se percam os olhos, sobre tudo os meus, se cruzarem com os seus. É capaz de resultar num misto de choro e gozo.
Pode ser por nada. Motivo banal. Pode ser nojo, desprezo. Pode ser raiva, brincadeira. Pode ser outro. Pode ser que não seja. Coisa da minha cabeça.
É de incentivo que me ergo, alimenta meu vício.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Bonum Novum

Victor Rocha Nascimento

Antes do instante aclamado e mitificado os sonhos eram perfeitos como se devem os sonhos. A alegria e o tremor eram esperados e avassaladores. Tudo poderia funcionar, e só. Poderia ser simples pois era onde se encaixava o perfeito. Mas o complexo veio se meter na obra acabada. O sonho foi apunhalado pela realidade, que é inveja pela incapacidade de ser.
Quando passou a noite, e a aurora se fez clara-cega, me cortou um suspiro no peito. A solidão me afoga no próprio que sou, que me faço e que deixo escapar.
Quando num canto a festa parecia tortura, me restava continuar sonhar e dentro de mim tudo parecia mais aceitável, mais belo. Mas o sonho deveria ser eterno. Perdi os sentidos e os amores. Perdi o gosto, o gozo, a voz.
Cheio de esperança vã, entendi que era mais uma noite para esquecer, para deixar de existir. Cheio de mim mesmo e na falta de todo o resto, não sabia como me consolar. Sentia o rosto molhado não sei se por choro ou por ter os olhos esbugalhados para a luz e o vento. Sentia um nó na garganta e no peito e a certeza de ter obtido o incurável.
Agora, por amor e por sentir o inevitável do tempo, supero como quem perde um fim. Me embaraço na falta que se deva a quem esquece para suportar a perda. Fico com a falta. Com a verdade cômoda e incômoda que me coube fixar. Nada aconteceu. Eu ainda estou esperando.