quarta-feira, 21 de julho de 2010

Por ser divíno. Do mesmo coadunado , o outro indivisível e unitário.

Victor Rocha Nascimento

Era assim que eu vinha
Como um doente viciado em coçar feridas
Como uma benção de mãos suadas
Como uma peste de olhos pregados
Como uma criança que não aprendeu a berrar
Era assim que ela chorava
Como quem, com a dor, encontra alegria
Como quem faz música aos surdos
Como quem se desespera por companhia
Como mulher que renasce num altar

Com minha chegada, atenta porém apressada, calada porém sedenta, ela resistiu, valente, ao sal dos olhos. Com sua dor inevitável, se desfez. Rasgou a alma em duas e me cobriu do frio da falta.
Por mais que fosse dela a dor que nos criou, era minha a doença e seu amor restaurou. Fomos metades da mesma história, fomos retratos da mesma sala, entendemos a mesma dor, dividimos a estrada, passamos a ser outro. Nos transformamos em sentir, viramos existir.

Somos marcados, costurados, queridos, condensados, temidos, calados, sofridos e caçados. Somos ouvidos, vento, somos soprados. Somos amantes, amigos, somos presente, somos roubados. Somos família, somos nomeados, somos intriga. Seguimos ligados, mesmo operados.

Já que o tempo não termina, e nos maltrata com severidade, resolveu nos lançar à frente, como quem arremessa ao lixo, brinquedos velhos. O rancor dos ponteiros nos ameaçou, nos julgou aberração, e bem que tentou afrouxar do mundo. Nós, pobres um, e pobres existências, mudamos com velocidade imposta.
Mas nós, por sermos apenas um plural do nó de nossas vidas, continuamos sempre juntos. Ainda que o espaço trancasse longe nossos corpos, as almas se encontravam em outro plano, em outro espaço. Lá, onde estamos sempre juntinhos, e somos sempre sou.

Não são gêmeas tão pouco se completam. Apenas é e não são. Uma alma dividida entre duas cascas e unida em eternidade. Nos sentimos, nos vemos, nos tocamos, nos amamos, assim como somos, assim por sermos, assim, por ser o plural só metáfora escondida nos cantos onde nem as palavras e nem os enganos podem se enfiar.
No fim, que não há de existir, não há nem o que esperar ou reencontro que falte. Na verdade, ainda somos o mesmo e nunca saímos do nosso lugar.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Folha riscada sob olhos de prata.

Victor Rocha Nascimento

Lá se vai mais um papel amassado, ocupar o canto empoeirado do quarto. Escondido no meio, aquilo que não era para ser, que não foi dessa vez.
Sentimento engolido, retido, mal escrito. Sentimento perdido, decretado, parido, arruinado, letrado e fudido no meio da insensatez.
No alto, um Cristo. Em baixo um rio. No meio, um quarto vazio. Um papel amassado num canto frio. A lembrança do que se desfez.
São como dois olhos de prata que me fitam, me guardam, me guiam. Dois olhos de prata sobre mim, forçando uma embriaguez.
Nisso, o sangue apimenta, a vida dá um guenta e solução é ficar só. A solidão me deu um nó. Nada mais normal do que viver consigo mesmo. Viciando, nada pior. Uma luz à vocês.
Me olham, estudam, imitam, censuram. Uma montanha de reciclagem no que me rasuro. Olhos de prata fissurados na minha estupidez.
Risco, rabisco e os olhos me gritam. Mudo, recuo, as letras me evitam. O papel dá chilique. Da caneta ao clique, me inspiro em surdez.
Com um sonho inacabado, um suspiro aliviado, um choro consolado, um rito consagrado, ou um cobertor embolado, requento a algidez.
Inspiro meu cansaço e cubro as dores do fracasso. Reviro meu telhado, invento outro parágrafo. Grafo sentidos com polidez.
Sangue, lágrima e tinta. Olhos de prata e folha limpa. A imaginação brinca. Brota, morta, uma rima. Vira fato o que sentia. Escrotiza a língua e melodia. Interpreta, manipula, escolhe, regula. Um motivo novo se contrafez.