terça-feira, 6 de julho de 2010

Folha riscada sob olhos de prata.

Victor Rocha Nascimento

Lá se vai mais um papel amassado, ocupar o canto empoeirado do quarto. Escondido no meio, aquilo que não era para ser, que não foi dessa vez.
Sentimento engolido, retido, mal escrito. Sentimento perdido, decretado, parido, arruinado, letrado e fudido no meio da insensatez.
No alto, um Cristo. Em baixo um rio. No meio, um quarto vazio. Um papel amassado num canto frio. A lembrança do que se desfez.
São como dois olhos de prata que me fitam, me guardam, me guiam. Dois olhos de prata sobre mim, forçando uma embriaguez.
Nisso, o sangue apimenta, a vida dá um guenta e solução é ficar só. A solidão me deu um nó. Nada mais normal do que viver consigo mesmo. Viciando, nada pior. Uma luz à vocês.
Me olham, estudam, imitam, censuram. Uma montanha de reciclagem no que me rasuro. Olhos de prata fissurados na minha estupidez.
Risco, rabisco e os olhos me gritam. Mudo, recuo, as letras me evitam. O papel dá chilique. Da caneta ao clique, me inspiro em surdez.
Com um sonho inacabado, um suspiro aliviado, um choro consolado, um rito consagrado, ou um cobertor embolado, requento a algidez.
Inspiro meu cansaço e cubro as dores do fracasso. Reviro meu telhado, invento outro parágrafo. Grafo sentidos com polidez.
Sangue, lágrima e tinta. Olhos de prata e folha limpa. A imaginação brinca. Brota, morta, uma rima. Vira fato o que sentia. Escrotiza a língua e melodia. Interpreta, manipula, escolhe, regula. Um motivo novo se contrafez.

Um comentário:

Monalisa Marques disse...

A partir de "o papel dá chilique", comecei a rir descontroladamente e me desconcentrei.
Às vezes sou tão infantil... Tô imaginando um papel dando chilique.