terça-feira, 27 de outubro de 2009

Rebate a um discurso frágil, de armadura

Victor Rocha Nascimento

Cê não faz idéia do que eu carrego dentro de mim
Nem sabe do canto do pássaro e menos da tempestade que habita meu peito.
Não sabe do terço, metade. Não sabe o enredo das botas batidas e das caras dadas a cuspe.
Cê não faz idéia do que já passou por aqui. Quem vê assim não da trela nem desconfia.
Para esses, que julgam me conhecer e por subestimar, entender. Para esses que por um golpe ilhado em arrogância, me decifram no relance. Para que estes saibam que de mim não entendem nem o gêneses. Não sou mais um, e de longe avisto o banal, o comum. Sou apocalíptico, sou profético.
Se tem olhos limitados para aparências, não deveria julgar para não findar no retardo do lodo. Se é limitado a sí mesmo e aos seus medos, não deveria se quer pensar em me dirigir conceitos. Não faz idéia de quem eu sou.
Pois saibam que sou fruto do que os 12 mestres gritaram aos ventos do novo mundo e viajo pelos 7 caminhos que me apontaram em sonhos velhos. Passados 100 anos, não o culpo e desconto suas barbas e sua careca no feto ridículo que habita seus olhos.

Cê não faz idéia do quanto eu te conheço, e de como conheço gente assim.
Não faz idéia do quanto conheço a mim mesmo. Do quanto bato no peito e açoito limites. Não imagina o quanto estudo essa lógica cretina de vocês. Se fizesse a mínima idéia, calaria a boca e se refugiaria na sua intima e sempre alerta covardia.
Não me venha falar sobre inteligência ou sobre tempo. O tempo só lhe serviu para corroer ossos e tornar a carne funda. Não me venha falar de babaquices enquanto seu discurso é uma tentativa frustrada de pisotear corpos fracos a custo de formar pirâmides mortas. Não é suficientemente forte, tampouco sábio a ponto de conseguir valer de suas próprias glórias para fixar castelos. É um merda que com bocas cortadas atropela o mundo antes que possa ser questionado e fragilizado na busca perdida por uma resposta.

Aos que restam...
Se me apresento em plenitude, subestima; mas se me lanço em metades, degusta, me decifra e me entende como de fato sou. Me leia aos poucos e de mente livre, me leia, se quer saber sobre mim. Nada expõe tanto e nada me cristaliza mais do que o profundo que despejo em letras.

Não julgais um texto pelo lead.

sábado, 24 de outubro de 2009

O romeiro íntimo

Victor Rocha Nascimento

O cara era um cearense típico. Cabeça chata, velhice de gastura e determinação no brilho dos olhos. Usava roupa fina, ainda com etiqueta, para divulgar a marca, e tentava manter a poeira dos caminhos distante de sua seda perfeita. Era como se fosse revestido de um campo protetor, e qualquer ameça à sua integridade era ferozmente atacada e deixada para trás com o vento.

Além das vestes impecáveis, e do chapéu coco, não carregava mais nada que o homem normal, comum, idiota, possa ver, assim, na cara. Fora isso, cantava para si mesmo, e como cantava...

Viajava montado num burro magro e de baixa estatura, mas que abusava de uma petulância e finura comparável à de seu cavaleiro trovador.

Era uma visão digna de espanto e de admiração. Eles percorriam o mundo pelas estradas mais longas e turbulentas. Quem bebe das águas barrentas empoçadas no mundo não pode mais voltar atrás. Vivia de aventuras e de novidades. Era abastecido pelos sustos recreados da vida e nem a fome, nem a sede e nem dificuldade alguma poderia fazer parar.

Alimentava o burro com os ratos largados nas noites, dos quais partilhava e dava de beber sua saliva. Não pedia, nem chorava, nem perguntava. Se não era feliz, pelo menos tinha se acomodado faz tempo.

Não importava viver, nem reclamar, nem voltar. Ele cruzava o mundo e rasgava caminhos pela lua até chegar no mar. Ele mantinha a pose e se respeitava. Abençoava suas rotas e as rotinas que aprendera a cultivar.

Ele era forte. Tão forte quanto parecia fraco de corpo. Era sábio como só a vida pode dignificar um homem. Era portador de quase mil dons e os gastava como quem tem pode gastar.

Vivia longe de amarras. Era viúvo de uma sociedade e de uma nação. Era tão solitário quanto pode ser um guerreiro que vive exilado com seu cavalo, e tão repleto como quem vive num monastério.

Era São Jorge e era glutão. Era a coruja e era o dragão. Ele era e ainda é.

Com sua lança reluzente riscava mapas na areia e seguia os caminhos do coração.

Ele respirava e respeitava a terra que lhe permitia passar. Era peregrino, era viajante, era desbravador sem rumo, era doente da sua verdade. Ele era dono das suas próprias narinas fracas e era deus da sua infinita liberdade.

Eu vi o tal passando nessa rua, nessa noite. Vi também por tardes e manhãs rodando por cantos assim. Por vezes o vejo nos bairros, com várias caras, vários burros, várias roupas. Ele é o cavaleiro sem nome, é o povo brasileiro, é o campeão do futebol.

Costumo olhar para ele, sem culpa e sem dó. O vejo como companheiro, como familiar, como amigo intimo até. O vejo gritando nomes e contando causos que só entende quem entende o que é sofrer. O vejo contando estrelas, mirando sereias e vendo o futuro de outrora lhe enxotar.

Ele é um cara digno. Merece meu respeito e meu orgulho. É cabra valente, forte como só.

Um dia vou ser como ele! Sei que vou. Se já não sou, um dia serei, e vejo até onde eu consigo chegar. Por hora observo a plenitude do velho cearense, bem vestido, que cavalga pelo mundo procurando um canto, um bando, ou uma coberta boa... Ou um desafio novo, ou um nome novo, ou uma nova história com que possa se contentar.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Mundo que dilata: Um cículo com caminhos tortuosos

Victor Rocha Nascimento

A vida enrola uma cadeia de obstáculos tão confusa que só se perdendo para se reencontrar, e quando a gente acha, dá vontade de voltar atrás. O gosto do impossível comove, ilude; e as fantasias da mente carecem de um desafio encarnado na realidade para brilhar em graça. Nos transviamos na ilusão dessa necessidade. É da loucura cismada que nasce o vazio na alma. É a vida, de tão enrolada, que mistifica o boçal.
Não seja tão lamuriento, jovem sonhador!
Já estava na hora de enterrar o cobre que me amarrava e voltar a ser eu mesmo.
Quando nos identificamos e amamos muito(seja uma pessoa, um animal, um objeto ou uma forma de vida), ficamos cegos e invariavelmente, se de fato amamos, dependentes. Eu amava e me vi sedento na abstinência do meu prazer, de uma hora para outra.
Acho que parte daquela velha idéia batida do homem gostar de sofrer. Não é que para ser feliz basta querer? E eu com a mania de esquecer isso de tempo em tempo...
Andava gritando a rouquidão de um tom menor, sem saber que ainda era dia de rock. Caçava belezas e fantasias passadas. Perdia tempo catando a vida sem lembrar que ela já estava escorrendo por mim.
Ô vidinha simples... Tão simples que as vezes enche o saco e fazemos de tudo para complicar. É besteira. O segredo está em sabermos como tornar o simples renovável e saboroso.
Quando lembro que as coisas são como são e deixo de lado o mundo complexo com o qual gosto de farrear vez ou outra, parece que posso encher todo meu pulmão, até o ultimo litro, com muita facilidade. Dá para saborear o órgão transbordante. Um alívio devido após meses e meses respirando metades.
Mudaram a fotografia do mundo. Eu mudei. Mudei meus olhos. O ar é mais leve e limpo, tudo é mais fácil e compreensível. Da até vontade de sair do comodismo e ir pelejar. Da vontade de ser melhor e gargalhar para o vento. De tão completo, da vontade de ajudar.
E o gozo e a liberdade. Os amigos e os desconhecidos. A farra e a esbórnia do que é belo e pacífico.
Agora já mais calmo, e livre da minha própria loucura, posso brincar de ser feliz. Brincar de ter potencial, de dar valor ao que quero e de não necessitar de expectativas para seguir. As metas apenas me guiam e já não me dominam. Um dia de cada vez, uma alegria de cada vez. E a vida vai sendo devidamente aproveitada.

A vida nos dá muitos mais presentes se a gente não esperar nada dela, apenas viver.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Apertado

Victor Rocha Nascimento

De dentro dum quarto abafado, de paredes cada vez mais apertadas e ritmado pelo som irritante do ventilador, imagino a vida do lado de fora. Enquanto essa poeira velha sobe e entope minhas narinas fracas e sangrentas, imagino o ar doce e o quanto doce deve ser uma poeira nova.
Um mundo quase tão grande e pleno quanto o que anseio existe do lado de fora, e me convido a desvendá-lo com olhos de criança, mas o quarto quente insiste e prende me trancando na simplicidade do mesmo. Seriam as poucas brechas? Seria o medo? Seria a contradição causada pelos princípios ou talvez os princípios que contradizem entre sí?
Sei que o momento é unico e a oportunidade se vai como o pensamento. Sei que para todo o fogo que me arde por dentro existe um alívio no mundo dos homens e das sociedades... Então que bosta ainda me faz estar trancado nesse quarto? Onde estão os amigos e os desconhecidos e as descobertas? Onde está o mundo e as novidades que preciso para me ter completo? Será que realmente alguma hora posso me sentir completo?
Acho que minha deficiência não parte de saciar desejos mas de equilibrar a carência e o prazer. Não quero estar completo, até mesmo porque julgo este estado uma utopia. Tenho que estar sendo nutrido constantemente de novidades, e nunca ser satisfeito. Tenho que estudar, descobrir, viver... Acho que foi por aí que eu encontrei a minha forma de gastar a vida.
Digo "gastar" sem culpa... A vida é como uma caixa de areia ou uma garrafa de vinho que a cada instante vai sendo consumida. Nos resta ter a sapiência de saborear cada momento da melhor forma até que a garrafa se esgote, gota por gota.
Diante deste devaneio do tempo volto a lembrar que estou preso nas quatro paredes do meu quarto. Uma bosta de um filminho na tv, que por pouco não notei que passava, o ar quente a a poeira da minha intimidade. Acho que as implicâncias do meu pulmão e das minhas narinas nada mais são do que um estimulo para que eu mate o ócio com os dentes e corra cego.
Já é imprescindível, vou sair para tomar um café ou sei lá. Nem que seja sair para pensar, sair para não fazer nada, só pra respirar outro ar.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Catarse - O passado numa nova era

Victor Rocha Nascimento

Bate. Bate o vento. Empurra a porta e abre a coragem, que hoje só é tarde pro que já passou.
Bate. Rebate o argumento. Libera a apostasia, que o mundo vicia e o tempo condena quem nunca tentou.
Não lamenta, pelo contrário, se envolve! Hoje, essa dor que te emprenha e afugenta é só a lembrança do que ja foi dor.

Vai... Corre o mundo. Bate no peito e engole quimeras, que a vida é uma guerra e que guerra é amar!
Vai... Faz do mundo sua festa. Lambe as feridas e berra orgulho. Corre que é pro mundo sentir o teu cheiro no ar.

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Era uma flor e eu sonhava primavera
Era o que era e eu queria ela pra mim
Era a guerrilha de uma carícia sincera
Era menina, era mulher, era festim.
Ahh, quem diria que seria tão perfeito?
Ahh, quem apostaria num fim?

Não era eu o certo, nem ela e nem culpa dos dois, foi. Certo era que ficasse o que ficou, como a perfeita harmonia que só.
Pobre besta. Eu que nunca pensei que do passado, alguma ponta de maturidade viesse me cutucar.
Mais me espanta a nobreza do velho e a superação do amor.
Hoje já sei que posso carinhar o futuro enquanto afago o passado. Posso ser o que era, e ainda mais completo, mesmo sem ela. Posso ser um amigo antigo e antigo homem também.
Entendo os motivos e amo o que me resta. Mesmo que dessa forma inesperada e diferente... Mas que é bela, e bela, e bela.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Dolci occhi

Victor Rocha Nascimento

É de carência mas também é de vida.
Os toques da carne se aprofundam nos sonhos mais belos e deprimentes. Ela não me beijou, mas o queria como eu mesmo não posso explicar. Era minha e eu dela. Mas eis que vem o sol de uma nova manhã queima o sonho em brasa.
Não é amor, nem prosa, nem verso. É a busca do sentido, a busca pelo completo.
E não tem motivo. Nesses casos nunca tem. É uma admiração, uma fantasia, uma empolgação. Também não digo que não esteja apaixonado, não poderia. É coisa bem diferente, tal que humilha meu vocabulário na busca desastrosa por alguma definição digna ou um conceito coerente.

Não é todo dia que dois olhos, perdidos na multidão, encantam a alma de um pobre desiludido como eu. Só os olhos, como um tiro no meio da testa. Depois vem o jeito, o riso, o andar, o estilo e me fazem de frouxo. Mas de início, só os olhos. Me apaixonei por um olhar. Quanto a isso não posso fazer nada. Nem negar, nem fugir, nem fingir. São eles que me forçam a desviar a atenção e maltratam meu orgulho. Os olhos, como aiesthesis.
Pode ser que haja alguma coisa de absurdo nisso, mas é a verdade. Não sei muito sobre ela. Não sei sua história, não senti suas mãos, por pouco ouvi sua voz... Mas aqueles olhos...
Não faz muito sentido, mas, estranhamente, me parece muito lógico. Podem dizer que não é provável, mas foi au concour para mim. E pode não ser comum, tampouco normal... Mas eu também não sou.

É, garota... Cê me pegou de jeito!

Tenho a mania chatinha de acreditar que, pelos olhos, consigo chegar mais perto da verdade das pessoas. As famosas 'janelas da alma' não apenas me intrigam como, certas vezes, conversam comigo em bom tom. Se a dona desses olhos não tem, deveras, algo de muito especial, não sei mais no que acreditar.
Talvez tenha só me hipnotizado, mas já é tarde. Tô preso no efeito desse brilho e já não sei bem como resistir. Já nem quero resistir. Eu quero é ver no que vai dar.

Algumas vezes tive a sorte grande de cruzar olhares. Ter a certeza de que os meus olhos, enquanto admiravam, também eram encarados. Quando essa sorte rara dana de acontecer, meus sentidos se contorcem. É como um aperitivo do paraíso. Fico bobo, perco a guarda, me bestifico. Que poder tem essa guria, que só de olhar já me bamba as pernas? Logo eu, que bato no peito pela minha própria segurança.

Já nem sei se escrevo para me declarar ou para me consolar com as letras. Ora, que de consolo só me serve uma resposta. Uma alegria ou uma cara quebrada, tanto faz.
Eu tenho é que agir, mas não faço idéia de por onde começar. Tenho medo e anseio teu encontro. Procuro caminhos que cismam em se fechar. Os típicos são toscos e talvez seja melhor me contentar em espiar, de longe, o seu olhar, do que o risco de passar o resto do tempo sofrendo as dores de uma cara virada.
Poderias fazer isso comigo? Me privar da doçura dos teus olhos? Me livrar do prazer de mirar teu brilho? Poderias ser tão pouco piedosa?
Se um dia Deus me fez gamar em olhares, por certo não era para deixar, logo esse, escapar.

"Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra."