terça-feira, 24 de agosto de 2010

Argumento quebrado

Victor Rocha Nascimento

Deitado um banco duma praça, ou duma praia. A vida passa e eu fico. Eu duro, eu mergulho e sou eu mesmo. A vida fica e eu passo, como só.
Dormi essa noite com a santa. A santa encostada no meu peito. Incrível como que por milagre, mesmo pela manhã parecia santa. Ou é amor, ou dádiva, ou ação divina. Ou talvez seja tudo e seja tudo o mesmo. Ahh, era perfeita em tudo. Conseguia ser santa e pecadora por inteiro.
No final do segundo dia, já sabia que iria morrer.
O cheiro, o sangue, o beijo e a mão. São o que te define. São únicos. São fortes e puros. São graves e transbordam mitos e significados. Me marcaram.
A morte, o eterno, o instante e a escolha. A mortalidade do que se diz.
A normalidade do infeliz. O estado banal, natural do só.
Vento moleque, malandro, que arrasta os sonhos e os anos.
O tempo. E o que é?
O tempo. E serve, se serve, para que?
E o que é o tempo quando se existe?
E o que é o tempo depois de você?
Marcou, é eterno. É sempre e só é. Pobre do tempo que foi inventado para desgarrar, mas que é no fundo só um invento e de ferrugem morre junto com o homem. Mais dura o sonho, mais dura o desejo.
Quem ficou? Quem foi afinal? E quem morreu?
Não saberia dizer, também. Também não importa. Importante é o que foi, o que é e o que nasce no eterno para apodrecer impossível.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Nada mais. Quando se assassina um passado, renasce vazio.

Victor Rocha Nascimento

Esse povo já não tem mais alma
Deve ter perdido no caminho, talvez em algum barzinho, talvez sozinha num banco da praça, no jornal do gato, no remendo da saia da mulata.
Deve ter mesmo perdido, largado no descaso, de tanto preterindo, deixado de lado, soprando pro passado, desocupando espaço. Abrindo alas prum vazio de novidades imediatas, de enlatados sem graça, para ter tempo de engolir a mordaça e se fundir na massa.
O que era alma já é casa de traça, o que era identidade virou idealismo babaca, virou sonho em ressaca, criou cova e carapaça.
Esse povo sofrido hoje sofre sem raça, aceita murro na cara, fica mudo por nada, se acomodou com migalha. Se perdeu do próprio povo, da própria história, da memória e espera sentado, de cara pra tela, uma vida mais bela pra se recostar.
Aquela alma que era orgulho hoje é entulho que não serve pra nada. Aquilo que era o impulso das tropas hoje é chacota, é lorota ou está fora de moda, nem dá pra lembrar.
Quando se perde coisa importante, de valor inestimável, coisa louvável, laudável, de pura grandeza e notória pureza, há de se procurar. Refazer caminhos, lembrar das ideias, catar no ultimo lugar.
Ô povo, carente de coragem, que de tanto apanhar já perdeu a vaidade e se limita a respirar. Ô povo da impunidade, da verdade covarde, que lamenta a vida e se perde na triagem sem ter onde chegar.
Nada melhor do que voltar a ser qualquer coisa pra ter motivo, besta que for, pra voltar a sonhar. Pra voltar a marchar. Pra voltar a acreditar. Pra voltar a lutar. Pra voltar.