segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um que passou sonhos

Victor Rocha Nascimento

Era um mundo muito distante, tão distante que podemos acabar sentindo-o mais próximo pelo simples fato de que não importam distancias se conseguimos ver além delas, quando podemos ver nas maiores diferenças os pontos fundamentais para que sejamos sempre tão iguais.

Um mundo imundo que se resumiria no instante de um segundo abrigava um sugismundo sujeito sem sombra, nem futuro e nem idéia. Este sujeito, num segundo instante, logo depois de dormir, roncar, chorar e cair, resolveu, por um estranho impulso, caminhar.
Caminhando ele via o mundo, era ignorado. Ele via os rostos porcos que já não se acreditavam, viam suas dores e os sentia. Sentia que, por segundos, em outros instantes e em outras vidas, viveu como eles e sofreu seu sofrimento. Mas agora ele dava um passo, e sem notar, criava uma idéia, e sem entender, dava luz a um sonho.

Em seu sonho ele achou uma saída de seu mundo sujo, criou um ofício, vendeu fantasias.
Formando ações ele criava energia, gerava alegria e agia um mundo novo que nem ele sabia que dentro de todos ainda existia e havia se escondido por medo das rugas frias que aos poucos se formavam em homens de pele e osso e sem coração.

Ele virou vendedor de sonhos. Seus clientes vinham de toda a parte, eram de todas as cores e de todas as idades. Eles vinham lutando contra aquilo que foram, por toda a vida, obrigados a aprender, tentando encontrar em novos sonhos uma forma de entender tudo que os tirou de uma outra vida, ainda mais antiga. Eles compravam idéias para curar feridas.

Aos poucos, o novo ofício virou moda, quem antes consumia, passava a vender, dar e partilhar seus próprios sonhos. Um mundo novo se criava ofuscando os olhos, queimando as faces medrosas, as mães aflitas, o povo cansado, os pais acomodados e as famílias perdidas.

O sujeito, então, finalmente entendeu que com seus sonhos ele gerava outros e criava oportunidades para realizá-los. Com seus sonhos ele mudava, crescia, melhorava e ajudava. O mundo mudou, a vida por fim apareceu. O povo sorriu, a alegria brotou e o novo cresceu, mesmo que só um pouquinho... Suficiente para dar espaço de outros novos nascerem e serem novos e crescerem.

Porém, o que ninguém sabia, ou esperava, ou pensava não saber, ou ainda, preferiam esquecer, é que este mundo tinha donos, tinha reis. Estes reis viviam de planos e planejavam mais uma vez. Eles viviam de lembranças, de energias e se fortaleciam de outras vidas. Agora, viam a grande chance de um banquete suculento se formar.

Eles pararam, prenderam, sufocaram e comeram. Espremeram o sujeito até não restar uma só gota de sonho. Mataram a esperança e roubaram o herói. Mudaram a cidade, as ruas, as famílias, perderam a linha, perderam suas caras e borraram os mapas.

O povo se viu perdido, sem herói, sem caminho, sem notar que poderiam seguir sozinhos. Deitaram e caíram, sorriram mais uma vez para depois chorar.
E o povo esperou mais uma vez a vida passar, imaginando que suas vidas, na verdade, não passavam de fantasia. Um devaneio louco que por pouco eles iriam acreditar.

Eles voltaram a esperar com risos podres, poucos dentes, um novo herói, um novo sujeito que vendesse sonhos ou qualquer tipo de esperança. Voltaram a esperar sem saber que a vida se escondia dentro deles e ainda não tinham percebido que neste mundo imundo onde já se nasce vagabundo sem rumo, caindo em um buraco sem fundo, não se nasce apenas para sofrer. Se nasce para dar primeiros passos e mudar e lutar e... Quem sabe, um dia, para não se esquecer de vários sujeitos, de vários mundos. Daqueles que lutaram e mudaram mas foram derrubados pelos donos do jogo, mas antes de tudo, pela burrice de seu próprio povo.

3 comentários:

Pri Sousa disse...

Victor, adorei o seu texto. Muito inteligente e criativa essa linha de raciocínio que você construi relacionando a burrice do povo, os donos do jogo e o herói.
Um texto muito idealista.
Pena que nós aprendemos a criar um mundo de possibilidades, e a falar nos vestibulares de uma organização abstrata de sociedades. Tem que ler muita filosofia pra se inspirar e fugir dessa realidade de lixocultura.

Victor Rocha disse...

Mas eu nem lia tanta filosofia quando escrevi... acho que na época eu estava lendo um dos meus livros sobre o Che! haha

Pri Sousa disse...

Che é filosofia tbm ;)