sexta-feira, 4 de junho de 2010

Instante em gelo

Victor Rocha Nascimento

Agora sinto o cheiro do gelo. Sinto como se fosse tudo e a medida se contorce atrevida. Agora não sinto as pontas dos dedos.
Agora lambo as feridas num vício de metal. Vendo meu passado e comemoro as dádivas. O que fui não volta mais. É o cheiro do frio, é o tempo, é o fim a curtos passos.
Choro, cuspi, respeito e contentamento. Uma semana depois, notei que durante uma semana só fazia olhar para ela. Um ano depois, notei que só havia importado uma semana, antes perdida.
É para que seja eu, e somente eu, que o mundo sofre assim. É por uma provação que eu mesmo cobrei.
Agora o frio queima, o tempo morre e eu... Eu espero poder ser enquanto tento achar limites pouco incômodos. Eu espero apenas ser enquanto desentendo, enquanto a mente falece, enquanto os olhos gangrenam.
Vivendo no limite entre o íntimo e o outro. Tentando ser dois, por necessidade e diversão. Sempre tentando, sempre distante, já que faz parte.
E aquela menina, Maria Louca, continua viva, recitando poemas e berrando aos surdos. É esse frio que controla o meio. Esse frio me faz natural, neural, neutro, coberto. Esse frio para o tempo e deixa a sala se arrumar.
Controla, controla, controla enquanto tenta se perder. Se alimenta de um mundo novo, criado de sonhos bobos, feitos para ajudar o tempo a correr.
Talvez o erro seja a melhor forma de me reencontrar com a humanidade. Quanto mais falho nisso, também acerto meus pés. Acho que estou indo bem.
Adoro os desafios da impossibilidade, até que me bate um sono e perco o saco, deixo o inevitável para depois.
Agora o frio queima, o frio prende, o tempo corre, o tempo morre e eu... Eu não.