quinta-feira, 22 de abril de 2010

Papo de crianças (Um terceiro instante que ainda dura).

Victor Rocha Nascimento

Ainda éramos muito novos. Onze ou doze no máximo. Cada qual numa das pontas sociais. Ele no topo e eu afundado. Éramos completamente opostos e, ainda assim, tinhamos muito em comum. Tirando o fato de nos destacarmos de todo o resto, éramos extremamente lógicos e pensávamos além, por gosto. Nos divertíamos aprendendo sozinhos, observando como funcionavam as coisas, entendendo a complexidade das pessoas, os colegas. Éramos viciados em estudar o comportamento. Aprendendo, podíamos decidir como colocar em prática.

Não poderíamos ser vistos juntos, isso acabaria com o jogo. Mas, algumas vezes, quando ninguém estava olhando, tínhamos um tempo para colocar os assuntos em dia. Era muito mais raro do que possa parecer. Duas ou três vezes no ano. Quase impossível ninguém estar olhando. Era uma escola. Sociedade de controle entre amiguinhos. Muito tempo, muito estudo. Muito assunto. Tinha que ter algum espaço livre para conseguirmos nos falar.

Prova complicada. Os dois terminam. A turma para. Pátio limpo. Uma boa hora.
- E aí, como vão as coisas?
-Você? Falando comigo? Nossa, fazia tempo.
-Que isso... Antes passávamos o tempo todo juntos. Não tem nada de mais.
-Nada de mais porque estamos só nós dois...
-Verdade. Não teria como chegar perto de você de outra forma, mas já que não tem mais ninguém, estou livre para falar. [Chegavam a nos confundir, a nos chamar de irmãos]
-Interessante como são as coisas. Eu te admiro tanto quanto você a mim. Somos incrivelmente parecidos, temos as mesmas bases e, ainda assim, ninguém faz ideia. Mesmo que agora sejamos tão distantes, demos os primeiros passos juntos, em sincronia.
-A questão é usar a sua superioridade. Eu sei que você sabe como fazer, mas, por bobagens, não quer. É fácil se tornar um líder no meio deles, é muito fácil ser admirado, saber o que querem e fazer por onde. O que eu faço é tão simples que chega a ser natural. É tão natural que não pode nem ser chamado de crueldade.
-Acho que... Ainda que extremamente iguais, nossa distinção em escolhas e forma de encarar as pessoas nos fez de espelho. Não sei se posso dizer quem está certo ou errado. Nem se isso existe. Mas também não sei encarar de outra forma que não condenatória.
-Não é errado, apenas é. Entender o mundo é um dom e manipulá-lo é jus.
-Ok. Só não me sinto bem sabendo que isso é possível. Me aproveitando daqueles que não foram sorteados. Se houvesse uma meta, que fosse a de igualar saberes. Na verdade, se eu pudesse, eu...
Eu...
Ele.
As pessoas apareceram. Ele já não estava lá.
Eu, sozinho.
Mesmo parecendo muito, lutei para lembrar que não era um sonho. Ainda que quisesse que fosse.

Um comentário:

Jess Weiss disse...

esse conto me lembrou "The Prestige"...
hmmmm.... interessante...