terça-feira, 6 de abril de 2010

A lei de gestão para devaneios

Victor Rocha Nascimento

Todos reclamavam da menina que, não importava hora nem clima, estava sempre cheia de sonhos e ideias, prontificada a colocá-las em prática.
Diziam que era doença, diziam que não era normal. Por medo, descriminavam a criança. Diziam de tudo para se sentirem bem e fechar os olhos ao potencial assustador da garota.
Pobrezinha, que por inveja perdera amigos e parentes. Perdera o estímulo que deveria receber por graça da sua beleza espiritual.
Sua existência era um favor, mas não se pode existir sozinha.
Por medo da solidão, tentava controlar suas ideias . Não tinha êxito. Pensar era mais forte que ela, e como era lindo assistir o milagre de sua imaginação. Poucas coisas podem ser comparadas. Era impossível entender.
Tão impossível era, que a menina se viu acuada, sem ter caminhos para seguir. Não adiantaria nada ser inteligente, criativa e não ter ninguém para admirar. Era sozinha. Era já mais uma frustrada, filha do egoísmo do homem. Decidiu que teria fim.
"Como pode uma cabeça dessa ser metida a ter tantas ideias? Como pode ser tão repleta e ter sede de pensar?"
Seus achismos, seus empirismos, suas fórmulas, seus desenhos, suas descobertas, suas criações. Sempre muito e mais do que seu entorno poderia esperar, quiçá entender. Mais do que poderiam aceitar.
Finalmente, do canto de um quarto escuro, ela teve sua ultima grande fantasia. Da mesma forma que se desbasta um vaso d'água ou um saco de batatas, estava na hora de jogar um pouco de imaginação fora. Espremer até ficar na medida vulgar. Até ser comum.
Ela correu para a cozinha, pegou uma faca e abriu as ideias.
Com sangue, cortou todas as dúvidas já perguntadas (ou as que para sempre foram escondidas) no ar. Só um fim de respostas pode ser belo como se espera de algum fim definitivo.
Ainda acordada, sonhava com um mundo melhor, onde o calor de um abraço apertado pudesse ser tão corriqueiro quanto a desilusão da índole humana. Sonhando, ela já não estava mais ali.
E quem sentiria falta?
É lei, é natural.
Nunca sabemos o que, por acidente e infeliz ironia, já se perdeu.
O mundo não faz ideia do quanto é cruel enquanto tenta, comodamente, ser normal.

3 comentários:

Unknown disse...

conto triste... verdadeiro... muitas vezes o potencial de uma pessoa se torna seu inimigo...
odeio o mundo malvado.

Jess Weiss disse...

poooxa...
se tivesse lido num momento mais triste, FATO que teria chorado...

esse conto vira roteiro, Victor!

Jéssica Quadros disse...

;)