terça-feira, 21 de julho de 2009

A noite passada

Victor Rocha Nascimento

Ele acordou.

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Olhos pro teto e as imagens da noite refletidas na tinta branca.

O que será que sonhou? O que será que fez ontem à noite? Afinal, que dia era hoje?

Aos poucos as ideias preenchem a mente. O que restava de lembranças dos sonhos tidos na madrugada se vai, dando lugar ao mais importante, a noite passada.

Aos poucos imagens, sentimentos e lógicas se unem, formam a lembrança e a fortificam.

“Será que foi isso mesmo? Nossa! Acho que foi. Será que não estou confundindo o sonho da madrugada com os fatos da noite passada? Talvez. Será que estou mesmo acordado ou tudo isso ainda é um sonho? Nossa, acho que foi verdade!”

Certeza, certeza não se tem. Até porque foi bom demais para se acreditar, de primeira, que foi verdade. Mas a memória insiste que na verdade aconteceu, daí ele lembra. Não tem como não ser. Noites boas, que mexem com a gente, sempre se parecem assim na manhã seguinte.

Houve uma festa... Houve bebida... Houve amigos... Mulheres... E Ela. Mais linda e importante que todo o resto.

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Ela.

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Na noite passada, em meio a risos, brincadeiras, histórias e bebidas, ela o olhou, sorrindo. Ele não poderia pensar mais nada a não ser que se tratava da mulher da sua vida. Aquele sorriso, aqueles olhos, aquela pele, aquela boca. Tudo nela era perfeito. E ainda não teve tempo de lembrar se a conhecia há mais tempo ou se fora amor de primeira vista. Isso não importava, importava apenas Ela, e a noite.

O que ele sentiu ao ser olhado e receber aquele sorriso perfeito não pode ser comparado com nada, não se pode descrever. Apenas entende quem já amou plenamente e se sentiu amado igualmente. Aquele momento certamente entraria para um dos melhores da vida de qualquer um.

Mas ainda isso, todo esse sentimento e toda a força desse momento não se comparariam com o que ele viria a lembrar depois. Com como seguiram os fatos.

Ele continuou falando com os amigos, sobre assuntos agora pouco interessantes. Pelo menos para ele. Na verdade, os amigos conversavam e ele apenas os contentava com "pois é"s e "uhun"s. Sua atenção havia sido tocada e suas prioridades mudadas.

A prioridade era olhar por entre os amigos, por entre as conversas e por entre a música, o povo, as luzes e as bebidas e tentar, por entre brechas, olhar para ela.

Em meio a confusão divertida de toda a festa, alguma coisa aconteceu. Ela saiu, triste, abalada por um porquê desconhecido. Ele a seguiu para fora da festa, não poderia fazer diferente. Talvez comumente não o fizesse, tivesse medo ou vergonha, mas essa oportunidade não poderia ser perdida. Não essa.

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Ela era perfeita demais.

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Ao encontrar-se com ela, tão triste e tão perfeita, se viu na obrigação de fazer aquela dor inexplicável cessar. Quem poderia ter feito mal a um ser tão lindo, tão perfeito, tão frágil?

Em meio a um consolo, sem palavras, ele se aproximou, a recostou em seu ombro e a afagou.

O sal dos olhos da Menina escorriam por sua roupa. Ele se arrepiava e por pouco não chorou com ela, comovido por sua tristeza e chocado por sua proximidade. Não havia nunca tido um momento tão perfeito. A oportunidade de consolar aquele ser tão divino era mais do que ele poderia imaginar. Mais do que ele se dignava. Mas isso não o impediria de velar por Ela. Se ele teve essa chance e era o único a postos para ajudá-la, seria sua obrigação e ele a cumpriria com prazer.

Aos poucos as lágrimas se secavam e o rosto da Menina escorregava por seu peito, em direção aos seus olhos. Quando se deu conta, já era um beijo.

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Um Beijo.

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Um beijo como nenhum outro. Gostoso e sincero, com todo o amor do mundo, com toda a perfeição que um beijo pode ter. Um beijo como poucos conheceram na vida. Um beijo que apenas quem já selou seu amor eterno pôde sentir. Um beijo que mudou sua vida, que tornou tudo mais limpo, todos os problemas pequenos e fez o mundo melhor.

Após isso, tudo se passou muito rápido. Pessoas chegaram, as amigas dela e os amigos dele... Eles se separaram. A festa seguiu. Apenas mais alguns olhares perdidos em felicidade e falta e... Quando notou, já estava em casa. A noite havia acabado e lhe restavam a cama e os sonhos.

Quando notou, ainda estava muito pouco acordado para se lembrar tão bem de tudo, para dar o devido valor.

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Quando notou...

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Quando notou, ele sequer tinha realmente acordado. Ainda estava perdido em suas lembranças ofuscadas, embaçadas... Ele apertou os olhos e se virou contra o teto branco, respirou e tentou arrumar a cabeça. Só então, notou que a noite passada era outra. Uma noite normal, sem amigos, sem festa, sem bebidas, sem mulheres e sem Ela.

Pensando bem, já mais lúcido... Ele entendeu que a noite sequer havia acontecido e...

Ela sequer existia.

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...Ela não existia....

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Não...Não existia. A sua perfeição, a sua felicidade, o seu amor... Nada disso tinha acontecido. Nada existia.

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No mundo real não, mas talvez... Se...

Sim! Claro! Dentro dele, é claro que Ela existia.

As belezas da mente jamais puderam ser superadas pela realidade. No amor, no afeto, na emoção, a mente sempre tem papel fundamental e a realidade ocupa um papel pequeno, quase figurante.

Verdade! Em algum lugar, dentro dele mesmo, Ela existia! Linda e carinhosa e perfeita como sempre, com vários outros sorrisos e beijos esperando por ele.

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Então...

Quem sabe... Se...

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Se...

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Ele voltou a dormir.

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