sábado, 22 de agosto de 2009

Menina esperta

Victor Rocha Nascimento

Pobre menina, que agora caminhava sozinha pela noite. Seus tamancos roçavam o asfalto molhado quebrando um silencio de quilômetros. Nas mãos um caniço velho, de pesca, e nas costas uma mochilinha com tudo o que dava para carregar.
Na cabeça, a menina levava as lembranças de uma família que já não existia e tentava encarar com força a vida que ainda lhe esperava.
A menos de um mês seu pai padecera de doença e nesta manhã sua vózinha nem levantara da cama para lhe servir o café. Não carecia ter mais de nove anos para entender que estava sozinha no mundo.
Cada arrasto do tamanquinho de madeira era um novo início, uma nova força que deixava para trás o desespero. Deixa, deixa... Deixa para lá o que passou, a vida está no que ainda vem.
Tão forte essa menina! E tão esperta!
Sabia , não sei como, que na vida as escolhas e os fatos são apenas caminhos para os momentos e que nada é eterno. Não existem fins se não em livros e filmes. Ela não deveria se iludir com um estilo de vida que tinha e muito menos esperar um final feliz. Apenas momentos. Momentos que são passageiros para o tempo mas infinitos nas mentes.
A menininha guardava seus momentos e esperava por outros, que certamente viriam. Recordava das comidas da avó, do afago do pai e da falta que fazia não conhecer a mãe.
Lembrava do dia em que a vózinha lhe deu um vestido branco com fitas azuis e num tecido suave como jamais havia sentido. Foi o unico vestido que teve até então e era o mesmo que a cobria agora, combinando com os tamanquinhos.
Ela lembrava de como ficava feliz quando o pai chegava do trabalho e havia vendido muitos peixes. Pelo brilho dos olhos cansados do seu velho, já sabia que a noite seria de festa e que comeriam bem no dia seguinte.
Maldita essa tal de amebíase que o levou. O médico não deu muita esperança, mas também não se esforçou para salvá-lo . Não da forma como faria a menininha. Claro, o médico não tinha tantos momentos com o pescador e a falta de lembranças cobria a importância afetiva do homem.
Com a avó, foi tudo tão rápido que a garota preferiu não esperar. Foi logo seguir sua vida e ver no que dava.
Esperar? O que poderia esperar? Não havia nada. No que se agarrar? E para que? A certeza é o triunfo temporário dos ignorantes. Que venham as descobertas! Que venham os momentos! Que venha a idade e venha a vida! Que venham os próximos passos.
A menininha arrastava seu tamanquinho barulhento de madeira pela madrugada escura, na procura de um mar.
A meninha ia pescar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei deste.

"a tal menina do TSU..."