terça-feira, 4 de agosto de 2009

Quando chega o fim

Victor Rocha Nascimento

A mulher acordou já pouco disposta a olhar para o lado. Suspirou profundamente como se isso ajudasse a tornar as cosias melhores e pulou da cama empurrada por uma injeção de animo falso. Logo foi barrada pela tonteira. Se arrumou calmamente lutando para que o tempo não passasse e o dia custasse a começar. Mas, como sempre, quando mais ela enrolava, mais o dia passava e era melhor ser rápida.
Saiu do banho e abriu o armário. Dentro dele, recordações que costumavam ajudar em tempos como esse. Mas dessa vez era diferente. Não havia briga, nem ciumeiras e nem uma leve insegurança. Era diferente de tudo.
Ao lado das roupas de sempre, o velho namorado, bem no fundinho do armário com cheiro de guardado. Este dera lugar a um marido, também já desgastado cheirando podre, usado além de conta. sem graça. O cheiro nauseante irritava, quase sem sentido.

O marido levantou sozinho, o que já não fazia diferença. Escutou os rangidos da mulher no banheiro e repensou se deveria mesmo levantar. Empurrado pela obrigação ele se jogou da cama e tentou se aprontar logo, como se isso ajudasse a fazer com que os momentos desconcertáveis passassem mais rapidamente. Fazer com que sua existência fosse o máximo passageira.
Sentiu a mulher mais próxima, com seu perfume de passado, o que ainda lhe remetia a uma velha infância boa e enjoativa. Parecia certo que o passado deveria estar preso no pretérito, mas que o importunava sempre no presente e não se restringia às lembranças.
Não houvera briga, nem motivo algum. Partira de uma falta de desejo duradoura, que nada tinha a ver com as outras. Tão pouco era causada pelas marcas do tempo em suas peles, resultando num flagelo à beleza da mulher. Era diferente. Algo sem explicação. Coisa rara.

Na correria matinal (ou fuga, como preferir), por um segundo, se esbarraram. Fitaram seus corpos inteiros rapidamente até que os olhos puderam se encontrar.
Algumas lágrimas pareciam surgir, mas recuavam na medida em que não sabiam se brotariam por dor ou felicidade. Algo tão inexplicável quanto o amor, que os dois por anos sentiram, estava acontecendo, mas era diferente.

Misticismo? Genes? Hormônios?
Não existem culpados, não existem regras, apenas a sorte de acontecer simultaneamente para os dois. O que ainda me atrevo a dizer que é mais raro do que o nascimento de um amor verdadeiro e recíproco numa primeira vista. A reciprocidade do momento era coisa mais rara, e os anos de convivência ajudaram as ex-almas gêmeas a entender tudo isso num breve olhar.
Talvez não haja mais nada que possa unir tristeza e felicidade assim, desta forma tão plena e simultânea. É a morte ligada a um novo nascimento. É a liberdade vomitada para fora de casa. É como o filho que se torna homem, ou a corrupção das certezas frente as descobertas.
Mais uma relação havia terminado. Outro amor acabara de morrer.

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