sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O Velho de Aparência

Victor Rocha Nascimento

Depois de tantos anos de birita incessante, o Velho de Aparência decidiu parar por um dia.
Não pense que foi fácil, mas também não foi tão complicado quanto parecia. Bastou um pouco mais de vontade e tratar o caso como desafio que deu certo.
O dia que seguiu foi desconcertante. Algo entre o medo das mudanças e a admiração pelo novo.
Ao acordar, sentiu a cabeça quilos mais leve. Levantou antes da hora, cheio de ideias e disposição. A casa parecia mais arrumada e a manhã parecia pedir licença para entrar pela janela.
Sua mulher, sempre chata, velha e ranzinza se transformara numa moça enxuta, bem mais delicada e de tom de voz suave. A mudança era absurda! Ela era completamente outra e encantava os olhos do Velho de Aparência como a antiga jamais poderia.
Já os seus filhos quase o colocaram em desespero no primeiro contato de sobriedade. Cada um deles parecia ter envelhecido uns sete anos. Todos responsáveis, inteligentes, estudados... Já haviam passado a pequena cultura do velho pai. E o tempo todo necessário para esta transformação tão grande? Simplesmente não existiu. Um mistério que o Velho de Aparência não conseguiu desvendar.
Parecia que até então ele habitava outro mundo ou então que esta realidade tão limpa era um sonho.
Foi um dia de descobertas. Se deparou com as marcas da sua própria destruição sem entender bem que era o culpado. Sentiu novos cheiros, admirou novas cores e relembrou sentimentos antigos.
A vida por outros olhos, outra fotografia. Um mundo mais sereno, que mesmo com toda a macheza do Velho de Aparência, cultivada e fincada com orgulho, fez ele se derreter como uma criança apaixonada.
Parecia que enxergava pela primeira vez. Estava bêbado de alegria. Amava tudo e todos que por ele passavam e se sentia cada vez mais coerente, cada vez mais humano. Ouvia melodias e se deliciava com o som. Recitava poesias até para as árvores. Foi feliz e tornou belo tudo o que olhava... Até que o dia passou.

Passou o dia... A semana... O mês... E o cheiro da pinga continuava a atormentar. Mas o Velho se embriagava era com a vida de sóbrio. Gostava do sentido das coisas e tinha se apaixonado pela sua família. Quanto menos ele bebia, melhor parecia sua mulher e mais tempo duravam os filhos para crescer.
Mas nem tudo ia bem.
Os problemas voltaram a aparecer. Tanto os antigos, quanto novos, quanto os que ele plantou com seu bafo de cana. O Velho, de início, se desesperou. Como primeira opção, encarou a garrafa de pinga como um antigo troféu, prestes a ser reconquistado. Mas, antes que o pior pudesse acontecer, ele ouviu um burburinho... Algo mais forte que qualquer vício... Eram as risadas de seus filhos, de longe, quase sumindo.
O velho entendeu que nenhum mundo está isento de problemas, a grande diferença é que, agora, ele se sentia forte o suficiente para resolvê-los.
Depois de Velho, ele voltou a parecer jovem e finalmente aprendeu a viver.

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