sábado, 18 de outubro de 2008

A Guerrilha Ruída

Victor Rocha Nascimento


Em plena era napoleônica, por volta de 1810, tropas francesas lideradas pelo General Loison se sentiam à vontade em território português e causavam novas baixas diariamente ao exercito inimigo. Porém, quando já parecia não haver esperanças, a população portuguesa tomou partido na situação. No momento em que as tropas do general Loison se preparavam para avançar sobre o Porto, foram surpreendidas por civis armados que, mesmo com pouca ou nenhuma experiência de guerra, estavam dispostos a dar suas vidas por um ideal e eram movidos principalmente por seus sentimentos nacionalistas. Passados três dias, as tropas de Loison foram obrigadas a recuar. Neste momento estes camponeses passavam a se denominar Guerrilheiros.


A Guerrilha tem um estilo de combate pouco convencional, onde seus praticantes são voluntários e se caracterizam nos campos de batalha, principalmente, pelo seu conhecimento territorial, o que os leva a ter melhor mobilidade e poder de ocultação. Inicialmente, grupos guerrilheiros se formam por comoções populares, sem vínculos com órgãos ou forças regionais, porém, na história, diversas formas de pacto foram criadas por interesses comuns ou motivo de força maior.
Hoje encontramos novas versões de guerrilha e, com estas, visões deturpadas do conceito real da palavra, sendo às vezes até comparada ao terrorismo. Organizações como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que se auto-proclamam “Exército do Povo” e se aproveitam deste nome para atribuir nobreza aos seus conflitos. Este grupo, formado em 1964 pelo partido comunista colombiano, já na década de 1980 se afiliava ao tráfico de drogas, o que levou o elo entre movimento e o partido a se romper.
O movimento das FARC se resume em recrutamento de novos membros, ainda em sua menoridade; pregação de uma interpretação própria dos pensamentos socialistas e, quase sempre, o uso de violência para reivindicações contra o estado. O fato que acaba por distanciá-los da guerrilha convencional é o de terem perdido o foco. Deixaram de lado a luta pelos direitos populares e passarem a brigar pelo próprio movimento e, em um país onde eles têm certa liberdade para se expressar, procuram impor seus pensamentos a partir das armas.


As pessoas se acostumaram com notícias sobre estas “guerrilhas” atuais e se e passaram a basear apenas nelas para criar seus conceitos sobre as mesmas. Agora são poucos os que se recordam sobre o que a palavra guerrilha já representou em diferentes épocas e para diferentes povos. Um dos fatos mais recentes e marcantes foi o da guerrilha cubana, onde grandes nomes como Fidel Castro e Che Guevara (foto: da esquerda para a direita reespectivamente) lideravam um grupo armado contra o governo ditatorial de Fulgencio Baptista que praticamente escravizava o povo, que trabalhava de forma exaustiva e tinham como recompensa o mínimo que os pudesse manter vivos. Os lucros do país, que teve sua economia muito elevada, se rendiam totalmente ao lazer de turistas norte-americanos e os mesmos controlavam cerca de 70% da produção açucareira, além da infra-estrutura do país. Na época, Cuba era comumente chamada de “quintal dos Estados Unidos” e o povo local vivia em miséria, sem escolas nem hospitais a sua disposição. Sabendo que em uma luta contra seu próprio país ninguém velaria por eles, tiveram que tomar uma atitude. Então, em 1953, formaram o movimento 26 de julho, que, unido com um grupo armado liderado por Fidel Castro, não só lutava contra os abusos do governo e para instaurar o socialismo, como também se preocupavam em dar auxilio e estudo ao povo. Um dos critérios para participar do grupo armado, por exemplo, era freqüentar aulas, muitas vezes dadas pelo próprio Che. Segundo ele o povo não poderia entender os princípios da revolução sem estudo, e, não os entendendo, não teriam porque lutar por eles.
Em 1959, então, o grupo de guerrilheiros derrubou Baptista, instauraram um novo governo e se tornaram o único país a resistir dentro de um regime socialista de forma tão fiel e estruturada, suportando até mesmo a queda da URSS. Eles foram vistos como heróis por todo o povo cubano, e, pelo próprio povo, Fidel foi chamado para ser o novo presidente do país.


No Brasil a guerrilha também esteve presente, assim como na argentina e na maioria dos países latinos. Ela era vista como uma resposta à altura para os governos autoritários, em um momento onde outros tipos de protesto ou oposição não tinham efeito, pelo contrário, estimulavam o governo a ser ainda mais violento. Pessoas pouco acomodadas com a situação do país, principalmente estudantes, professores e artistas, que se opunham à ditadura e viam seus direitos velados pelo governo, procuravam formas de se libertar, primeiramente com atos pacíficos, porém, não tinham êxito. Diante deste beco, sendo torturados e tendo amigos mortos a cada dia, parte da população passava a encontrar na violência a única forma de se manter firme na luta por sua liberdade.
Carlos Lamarca (foto) foi um dos grandes nomes da guerrilha brasileira. Ele era capitão do exército nacional em 1967, plena ditadura militar. Após se comover pela luta contra o governo, passou a desviar armamentos do próprio exercito para os guerrilheiros. Quando sua traição ao estado foi descoberta, em 69, desertou do exercito e se uniu completamente à guerrilha, deixando para trás suas esposa e seus dois filhos. Ele não só participava do grupo da Vanguarda Popular Revolucionária, aonde chegou a fazer assaltos a banco e até a seqüestrar embaixadores a fim de trocar pela liberdade de presos políticos, como também treinou diversos voluntários e os liderou taticamente no campo de batalha. No fim de sua vida estava à frente de uma “revolução no campo”, no Agreste baiano. Ele foi caçado por vários dias e, quando foi finalmente encontrado, morreu fuzilado, cercado por soldados do governo.

As guerrilhas sempre tiveram forte influencia no desfeche de conflitos políticos, tanto internos quanto internacionais. Os conhecimentos geográficos e, muitas vezes, o apoio popular que recebem os guerrilheiros, fazem com que estes grupos estejam sempre um passo à frente. Desta forma foi possível que guerrilheiros, mesmo em menor quantidade e com pouco treinamento, desbancassem grandes exércitos. Eles podem ser facilmente comparados com as tropas napoleônicas, onde visam muito mais a eficácia das táticas e apostam forte em suas vantagens primárias, mesmo que pequenas. Estes pensamentos fazem da idéia de que o maior exército é sempre o que vence a guerra, ultrapassada.
Os grupos guerrilheiros, entretanto, se fazem cada vez menos necessários e, por isto também, não temos muitas notícias destes. Até mesmo as táticas guerrilheiras se converteram, adaptaram-se ao novo mundo. Elas se aplicam em guerras civis, como encontramos em diversas partes da áfrica, por exemplo, ou em um pensamento mais profundo, isto se reflete nas favelas brasileiras, onde traficantes dominam seus territórios com noção geográfica impecável e apoio local. Porém num mundo onde não se ganham territórios nem se derrubam governos em campos de guerra, mas sim em assinaturas no meio de reuniões, as palavras e táticas têm seus sentidos facilmente trocados. O que hoje é sinônimo de rebeldia sem causa ou terrorismo, um dia foi sinônimo de heroísmo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Concordo com vc. Toda hora vemos as guerrilhas sendo taxadas de movimento terrorista e o significado de origem da palavra se perde. Matéria esclarecedora :D E não, eu não sou "tão assim" com Beatles ok!